Nos últimos anos, as sociedades offshores — entidades jurídicas estabelecidas em jurisdições estrangeiras, conhecidas como paraísos fiscais, como por exemplo, Ilhas Virgens Britânicas (BVI), Bahamas, Panamá, Ilhas Cayman e Nevis, entre outras — têm desempenhado um papel fundamental para empresas e indivíduos que buscam por otimização fiscal, proteção patrimonial e/ou diversificação de investimentos. Tais entidades, usualmente constituídas em países com regimes tributários diferenciados, são utilizadas não apenas para reduzir a carga tributária, mas também para expandir operações internacionais, ser um veículo de captação de recursos e integrar operações de planejamento sucessório.
Contudo, com a recente evolução no ordenamento jurídico do Brasil, o cenário para essas estruturas tem sido profundamente impactado.
As novas regulamentações estão forçando muitos brasileiros a reavaliarem suas estratégias de utilização de offshores. Um dos marcos mais significativos foi a promulgação da Lei nº 14.754/23, que alterou a tributação de lucros e rendimentos auferidos no exterior. A partir de agora, as pessoas físicas residentes no Brasil passaram a ser tributadas em 15% (quinze por cento) sobre lucros obtidos através de aplicações financeiras, trusts e operações de liquidez oriundas de entidades controladas por elas e com sede fora do país.
Para garantir a correta aplicação dessa nova lei, a Receita Federal editou a Instrução Normativa RFB nº 2.180/23, que especifica os mecanismos e procedimentos a serem adotados pelos contribuintes e fiscalizadores. Tais mudanças representam um esforço do governo brasileiro para reforçar a transparência fiscal e alinhar o Brasil com práticas globais de compliance financeiro.
Além das alterações na tributação, há um fortalecimento da vigilância sobre operações internacionais envolvendo offshores. Neste ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou o Provimento nº 161/2024, que aprimora as diretrizes sobre comunicação de operações suspeitas, especialmente aquelas que possam indicar crimes de lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo ou a proliferação de armas de destruição em massa. A norma impõe que notários, registradores e autoridades consulares notifiquem ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) qualquer operação que, por suas características, possa estar ligada à tais práticas ilícitas.
Esse ambiente regulatório mais rígido implica que operações envolvendo sociedades offshores serão cada vez mais sujeitas a análise mais minuciosa.
É cediço que desde maio de 2024, toda e qualquer operação que demande registro em cartórios, como permutas, doações, compra e venda de imóveis ou estruturações de empreendimentos imobiliários, deve ser cuidadosamente analisada. Caso se identifique algum indício de irregularidade, haverá a obrigatoriedade de notificação ao COAF, potencialmente desencadeando investigações mais aprofundadas.
I. O Papel do COAF e o Impacto para Empresários Brasileiros
O COAF, órgão responsável por fiscalizar e monitorar atividades financeiras suspeitas, desempenha um papel essencial no combate aos crimes financeiros no Brasil. Sua atuação está alinhada às políticas de governança internacional, sendo peça-chave para prevenir crimes como lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo. No entanto, apesar de sua importância para a integridade do sistema financeiro, o COAF enfrenta críticas e resistência de algumas partes da sociedade.
Empresários e investidores muitas vezes entendem a atuação do órgão como invasiva, e há receios de que a investigação de transações, muitas vezes, extrapole seu caráter técnico, passando a ter conotações políticas. Casos de vazamento de informações e uso indevido de dados confidenciais ao longo dos anos reforçaram a imagem do COAF como um órgão cujas atividades, em certos momentos, não foram baseadas em boas práticas. Esse receio, somado à burocracia e à morosidade no tratamento dos processos, gera uma atmosfera de incerteza e desconfiança entre os contribuintes.
Essa percepção negativa faz com que muitos brasileiros sócios de offshores sintam-se vulneráveis e hesitem em continuar utilizando tais estruturas, ainda que dentro dos limites legais. A falta de clareza e previsibilidade no ambiente regulatório pode levar à desestruturação de negócios e à relocação de operações para outras jurisdições menos rigorosas.
II. O Futuro das Offshores e a Necessidade de Planejamento Estratégico
Diante dessas mudanças, é natural que brasileiros com estruturas offshore busquem orientação jurídica e financeira especializada para reavaliar suas operações. A correta assessoria deve estar pautada não apenas na redução de riscos fiscais e regulatórios, mas também no alinhamento com as melhores práticas internacionais de compliance e na adaptação ao novo cenário normativo brasileiro.
O planejamento sucessório e a proteção patrimonial continuam sendo motivos válidos para a utilização de offshores, desde que estas operações sejam conduzidas de forma transparente e dentro dos limites legais. Para muitos, uma reestruturação pode ser necessária, o que envolve não apenas a adequação das entidades existentes, mas também a análise de novas jurisdições ou até a reconsideração de alternativas no Brasil.
Em última análise, a nova legislação e as regulamentações mais rígidas não significam necessariamente o fim das offshores, mas uma transformação no modo como elas devem ser estruturadas e geridas. Empresas e indivíduos que desejam manter essas entidades devem estar preparados para cumprir com os requisitos mais exigentes e adotar um planejamento que vá além do simples objetivo de otimização tributária.
O foco deve estar na transparência e conformidade regulatória. Ao se adaptarem a esse novo ambiente, investidores e empresários brasileiros terão melhores condições de gerir estruturas societárias sustentáveis no longo prazo.
Por Julia Butignoli