A relevância dos acordos de sócios frequentemente não é totalmente compreendida por aqueles que não possuem experiência no direito empresarial ou não têm familiaridade com o direito societário. Esse desconhecimento pode expor muitas empresas e empresários a riscos que poderiam ser mitigados com a utilização adequada desse documento. Um acordo de sócios bem elaborado pode desempenhar um papel crucial na proteção e na sustentabilidade das relações entre os sócios e garante melhor governança para toda a empresa.
Além da legislação pertinente, as relações societárias são predominantemente regidas pelos atos constitutivos das sociedades, como estatutos sociais e contratos sociais. Contudo, a Lei 6.404/1976, que regula as sociedades por ações, estabelece que os acordos entre sócios podem tratar de temas como a compra e venda de participação societária, preferência para aquisição, exercício do direito de voto, liquidação e sucessão, temas que geralmente não estão presentes nos atos constitutivos. Esses acordos, quando arquivados na sociedade, têm efeito perante terceiros, oferecendo uma proteção adicional à gestão e à operação da empresa.
Embora os acordos de acionistas sejam regulamentados pela Lei 6.404, o conceito pode ser aplicado também às sociedades limitadas, onde o documento é denominado acordo de sócios ou de cotistas. Por se tratar de um contrato de direito privado, baseado na autonomia das partes, é possível incluir cláusulas que vão além das estipuladas pela lei, adaptando o acordo às necessidades específicas dos sócios e da empresa.
Entre as vantagens de um acordo de sócios sobre um contrato social, destaca-se a confidencialidade sobre os termos e condições definidos na intimidade dos sócios, que, se incluídas no contrato social, seriam obrigatoriamente públicas. Além disso, o acordo de sócios pode ser alterado por meio de aditamento particular, dispensando formalidades como registro e arquivamento na Junta Comercial, ao contrário das alterações contratuais.
Mesmo em contextos de alta confiança entre sócios, a formalização dos aspectos cruciais por meio de um acordo de sócios é essencial. Sem esse acordo, os sócios ficam sujeitos às regras de governança estabelecidas apenas pela legislação e pelo contrato social, que muitas vezes são insuficientes para abordar temas sensíveis ou ser uma ferramenta adequada para o gerenciamento de conflitos e crises entre os sócios, geralmente quando se trata de direitos de saída, exclusão de sócios, dividendos, sucessão e compra e venda de participações societárias.
O acordo de sócios pode regular aspectos como indenização por violação de suas disposições, regras de confidencialidade, votos de minerva, penalidades por exclusão, não competição, não solicitação e não aliciamento. Essas cláusulas são essenciais para proteger tanto os sócios quanto as outras pessoas envolvidas na operação do negócio.
A experiência do dia a dia mostra que os conflitos societários têm efeitos diretos na operação da empresa, no relacionamento entre os colaboradores e no grau de geração de resultado.
A seguir, são detalhadas algumas cláusulas frequentemente encontradas em acordos de sócios:
1. Cláusulas Relacionadas ao Exercício do Direito de Voto e à Governança Corporativa:
- Composição, Eleição e Substituição da Administração: Define a estrutura administrativa da sociedade, estabelecendo regras para a eleição e substituição dos membros dos órgãos de administração. Pode especificar direitos de indicação para cargos-chave, alçadas de poder e pré-requisitos para tais indicações.
- Competência e Quóruns Qualificados: Determina quais órgãos são responsáveis por aprovar matérias específicas e os quóruns necessários para tais aprovações, o que ajuda a equilibrar o poder de decisão e moderar o controle, estabelecendo, por exemplo, que certas matérias necessitam da aprovação de minoritários ou até mesmo da unanimidade.
2. Cláusulas Relacionadas à Saída dos Sócios:
- Direito de Preferência: Concede aos sócios existentes o direito de adquirir a participação de um sócio que deseja vendê-la a terceiros, em condições iguais às oferecidas a esses terceiros. A mecânica do direito de preferência pode variar e deve ser adaptada às circunstâncias específicas.
- Tag Along: Protege os sócios minoritários, garantindo-lhes o direito de vender suas participações em conjunto com os sócios majoritários caso estes decidam vender o controle da sociedade. Deve-se definir claramente as condições para a venda conjunta.
- Drag Along: Permite que os sócios majoritários exijam que os minoritários vendam suas participações junto com os majoritários em uma venda do controle da empresa. As condições da venda conjunta devem ser claramente estabelecidas.
3. Outras Cláusulas Relevantes:
- Regras para Distribuição de Lucros: Permite aos sócios determinarem como os lucros serão distribuídos ou reinvestidos, podendo ir além do simples dividendo mínimo exigido por lei.
- Inadimplemento: Define as consequências para o descumprimento das disposições do acordo, que podem incluir indenizações e até mesmo a suspensão de direitos políticos ou econômicos.
- Direito à Informação: Regulamenta o acesso dos sócios a informações financeiras e operacionais, especificando a forma e a periodicidade da apresentação, o que é particularmente útil para sócios minoritários não envolvidos diretamente na gestão.
- Não Competição, Não Solicitação e Não Aliciamento: Protege a empresa contra concorrência desleal e práticas predatórias, impedindo sócios de competir com a empresa ou de desviar fornecedores, clientes e empregados essenciais.
Além dessas cláusulas, acordos de sócios podem incluir disposições sobre opções de compra e venda de participações, exclusão de sócios e mecanismos como o “shotgun” para resolver conflitos irreconciliáveis.
Em suma, o acordo de sócios é um instrumento vital para a segurança e a boa governança da empresa. Ele estabelece as bases para uma colaboração eficiente, protege interesses financeiros, evita conflitos e oferece mecanismos eficazes para a resolução de disputas, criando um ambiente favorável para o crescimento e a estabilidade da empresa no longo prazo.
Por Júlia Butignoli